Homens Envenenados

Homens Envenenados

Homens tóxicos foram envenenados por mulheres subjugadas no passado. Mas mulheres continuam sendo assassinadas pela masculinidade tóxica no presente.

O que você faria se o seu príncipe se transformasse em um sapo? Essa pergunta pode ser respondida da seguinte maneira: depende da época.

No século XXI, por exemplo, há algumas opções. A mulher pode pedir o divórcio – a lei do divórcio foi aprovada no Brasil somente em vinte e seis de dezembro de 1977 – caso ela esteja infeliz no relacionamento. Ou ela pode colocá-lo na cadeia – a Lei Maria da Penha foi criada em sete de agosto de 2006 para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher – caso ele seja um agressor. Como constatado, as duas leis são recentes em termos de história e nem sempre funcionam na velocidade necessária para evitar danos emocionais e/ou físicos.

Então, como algumas mulheres lidavam com isso no passado? Por meio da estratégia mais antiga de assassinato: o envenenamento. Essa relação da mulher com o veneno é tão antiga quanto a história da civilização. Eva não envenenou Adão, mas deu a ele o fruto proibido. Muitas mulheres que mataram seus maridos por envenenamento na Idade Média foram acusadas de bruxaria, já que a causa da morte era incompreendida. Porém, foi no século XVII que essa técnica feminina de assassinato chegou ao seu auge, devido aos casamentos infelizes e muitas vezes arranjados pelas famílias. Sem opção de separação e sem justiça para defendê-las, essas mulheres se aperfeiçoaram na técnica do envenenamento a fim de “eliminar” seus cônjuges abusadores e agressivos. As viúvas do veneno tinham uma grande representante chamada Giulia Tofana, uma cortesã italiana responsável por desenvolver a poção mágica “água-tofana” que aniquilaria mais de 600 homens daquele período. Considerada uma bruxa, ela comercializava sua receita, que consistia em uma mistura de arsênico, chumbo e beladona (uma planta venenosa). O veneno era incolor, inodoro, insípido e altamente tóxico. Por agir lentamente, ele permitia que as mulheres escapassem da cena do crime sem serem detectadas e a morte seria aparentemente natural. O truque era esconder o pó em produtos de maquiagem ou dentro de objetos sagrados na residência. Depois, era só misturá-lo à comida ou bebida do marido e voilá – problema resolvido!

Apesar de as mulheres terem conquistado mais direitos na sociedade ainda há um longo caminho pela frente. O voto feminino, por exemplo, foi assegurado somente em vinte e quatro de fevereiro de 1932 a mulheres casadas com autorização dos maridos e a viúvas com renda própria. Essas limitações deixaram de existir apenas em 1934, quando o voto feminino passou a ser previsto na Constituição Federal. Algumas mudanças de fato ocorreram. Porém, a violência doméstica contra as mulheres continua. Os séculos passam e o problema não é resolvido. Os homens continuam envenenados; hoje, nem tanto pela boca com poções preparadas por mulheres em situações extremas, mas pela covardia de atitudes primitivas e cegas. A função do veneno no passado era a mesma da justiça no presente: salvar a vítima. Entretanto, muitas vezes ela chega atrasada. O Brasil registrou 1338 mortes durante a pandemia. O Feminicídio é o assassinato de uma mulher devido ao fato de ela ser mulher ou em decorrência de violência doméstica. Foi inserido no Código Penal como uma qualificação do crime de homicídio em 2015 e é considerado crime hediondo. O envenenamento dos maridos, tão comum na história da humanidade, já não é uma prática rotineira graças ao progresso da civilização. Por outro lado, a violência contra a mulher precisa chegar ao fim, seja pela educação e conscientização ou pela mão forte da lei. Homens tóxicos foram envenenados por mulheres subjugadas no passado; mas mulheres continuam sendo assassinadas pela masculinidade tóxica no presente. O pior dos venenos é aquele destilado pela omissão.

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